quinta-feira, 30 de junho de 2016

O tempo ... coisa rara e enigmática na vida das mães

Sábio e cínico, o tempo trará consigo o obvio

O tempo é um animal estranho. Se parece com um gato, faz o que lhe dá vontade, te mira com olhar astuto e indiferente, vai embora quando você suplica, para que ele fique e fica imóvel quando você pede por favor, para que se vá. As vezes te morde enquanto recebe carinho ou te arranha enquanto te lambe (beija).

O tempo, pouco a pouco, me liberará da extenuante fadiga de ter filhos pequenos, das noites sem dormir e dos dias sem repouso. 
Das mãos gordinhas que não param de me agarrar, que me escalam pelas costas, que me pegam, que me buscam sem cuidados, nem vacilos. 
Do peso que enche meus braços e curva minhas costas. 
Das vezes que me chamam e não permitem atrasos, esperas, nem vacilos. 

O tempo me devolverá a folga aos domingos e as chamadas sem interrupções, o privilégio e o medo da solidão. 
Acelerará, talvez, o peso da responsabilidade que ás vezes me aperta o diafragma. 
O tempo, certamente e inexoravelmente esfriará outra vez a minha cama, que agora está aquecida de corpos pequenos e respirações rápidas. 
Esvaziará os olhos de meus filhos, que agora transbordam de um amor poderoso e incontrolável.
Tirará de seus lábios meu nome gritado e cantado, chorado e pronunciado cem mil vezes ao dia. Cancelará, pouco a pouco ou de repente, a familiaridade de sua pele com a minha, a confiança absoluta que nos faz um corpo único, com o mesmo cheiro, acostumados a mesclar nossos estados de ânimo, o espaço, o ar que respiramos. 

Chegarão a nos separar para sempre o pudor, a vergonha e o preconceito, a consciência adulta de nossas diferenças.
Como um rio que escava seu leito, o tempo perigará a confiança que seus olhos têm em mim, como ser onipotente, capaz de parar o vento e acalmar o mar, concertar o inconcertável e curar o incurável. 
Deixarão de me pedir ajuda, porque já não acreditam mais que em algum caso eu possa salvá-los.
Pararão de me imitar, porque não desejarão parecer-se muito a mim. 
Deixarão de preferir minha companhia em comparação com aos demais (e vejo, isto tem que acontecer!)

Se esfumaçarão as paixões, as birras e os ciúmes, o amor e o medo.
Se apagarão os ecos das risadas e das canções, as sonecas e os "era uma vez... acabarão de repercutir na escuridão.
Com o passar do tempo, meus filhos descobrirão que tenho muitos defeitos e se eu tiver sorte, me perdoarão por alguns deles. 

Sábio e cínico, o tempo trará consigo o obvio.

Eles esquecerão, mas ainda assim eu não esquecerei. As cosquinhas e os "corre-corre", os beijos nos olhos e os choros que de repente param com um abraço, as viagens e as brincadeiras, as caminhadas e a febre alta, as festas, as papinhas, as carícias enquanto adormecíamos lentamente.

Meus filhos esquecerão que os amamentei, que os balancei durante horas, que os levei nos braços e ás vezes pelas mãos. 
Que dei de comer e consolei, que os levantei depois de cem caídas.
Esquecerão que dormiram sobre meu peito de dia e de noite, que houve um dia que me necessitaram tanto, como o ar que respiram. 
Esquecerão, porque é isso que fazem os filhos, porque isto é o que o tempo escolhe. 
E eu, eu terei que aprender a lembrar de tudo para eles, com ternura e sem arrependimentos, incondicionalmente. 
E que o tempo, astuto e indiferente, seja amável com esta mãe que não quer esquecer.


Autor desconhecido

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